Há 2 meses eu estava no Congresso Fotografar e me lembro de uma noite ter falado sobre ele com a minha amiga Carol Pires. Não me lembro como o assunto surgiu, mas falamos sobre meus tios e minha avó. No último dia do congresso (30 de março) fiquei doente. Febre, gripe, caí de cama. Perdi um dia inteiro em São Paulo por conta disso. Naqueles dias minha irmã enviou mensagens diariamente pelo whatsapp, sempre perguntando quando eu voltaria pro Rio, e como eu estava. Percebi logo que alguma coisa estava acontecendo e não deu outra. Cheguei na sexta-feira de manhã cedo no Santos Dummont com uma avalanche de mensagens falando que meu pai estava internado com pneumonia.
Eu, Papai e Cris, na esquerda em 1987 no Palácio do Ingá, na direita: 1990 em Araruama.
Não vem não, que você é muito impressionada com esse negócio de hospital
Logo que pisei em casa liguei pro papai que estava incrivelmente BEM naquele momento “ e a sensação era de que o susto havia passado, já que segundo ele teria alta no domingo. Em nossa conversa ainda havia bom humor e ele fazia muitas piadas sobre toda a situação, como de praxe. Meus três irmãos se dividiam como acompanhantes e eu, muito gripada, não pude ir encontrá-lo. Ele me disse: “Não vem não, que você é muito impressionada com esse negócio de hospital”. Não sei de onde ele tirou isso! Mas acho que no fundo ele não queria me preocupar. Eu respondi que o problema não era esse, e sim porque eu estava muito gripada, até brinquei e enfeitei a coisa dizendo que foi só ele ficar doente que fiquei também.
Posse na Academia Fluminense de Letras. Imortal aos 30 anos.
Ahhhh! Que maravilha!!
Na segunda-feira, 02/04, de manhã bem cedinho ele já estava em casa e eu fui lá render meu irmão mais novo que precisava ir para a Faculdade. Achei que ele estava pior do que na sexta-feira quando falamos no telefone, mas fomos monitorando. Foi nesse dia também que tivemos todas as nossas últimas conversas sobre o seu trabalho e acervo de pesquisa histórica. Era como seu ele estivesse mesmo querendo arrumar as coisas, muito preocupado com o que ficaria depois de partir. Ele me mostrou o site do Centro de Memória da UFF, cheguei a enviar um email pra eles (que rapidamente e muito atenciosamente me retornaram), mas o quadro da pneumonia se agravou numa velocidade assustadora e às 15:00 voltamos correndo para o hospital. Foi tudo muito corrido e eu e meus irmãos nos reorganizamos para garantir que ele fizesse um tratamento mais eficiente. Quando meu irmão mais velho chegou no hospital, papai até ficou mais tranquilo, estava com uma medicação mais forte e tudo sob controle. Então eu e minha irmã fomos na rua comprar pijamas e outros itens necessários para internação porque na pressa de sair de casa não pegamos nada! Foi uma correria danada.
Já devia ser umas 21h quando eu e Cris retornamos esbaforidas de mala e cuia no hospital, arrumando tudo muito rapidamente porque a chefe do setor de tratamento intensivo já nos expulsava (porque só podia ficar 1 filho e tinha 3! Papai riu de nós arregalando os olhos, e com mais uma de suas tiradas metade piada e metade sério, perguntou: “Caramba! Sobrou algum dinheiro no meu cartão?” Dei um beijo nele, e disse ” Pai! Não usei seu cartão!” E ele me respondeu: Ahhhhh! Que maravilha!
Essas foram as últimas palavras que eu ouvi do meu paizinho.
Em dois momentos de 1973: com Marcelo, o primogênito. Na esquerda, fazendo charme para a fotógrafa (como ele mesmo legendou a foto).
No dia seguinte, 04 de abril, aniversário do meu irmão mais velho, papai foi encaminhado para o CTI de outro hospital, já precisando do auxílio de aparelhos para respirar! E assim seguimos no CTI ainda por 10 dias dos quais não pude ir em 2. Acho que esses 2 dias que não o vi foram os mais difíceis pra mim: num, tive casamento; e noutro, meu tio, meu marido e minha mãe me aconselharam não ir, para dar uma aliviada na cabeça e me manter de pé. Obedeci relutantemente. Foi difícil, pois centralizadora do jeito que eu sou, queria saber de TUDO e aporrinhava quem ia no meu lugar. Fiquei amiga das enfermeiras e enfermeiros, aproveitei cada uma da mísera hora diária de visita para garantir que ele ficasse o mais confortável possível. Falava com ele todas as coisas boas que ele gostaria de ouvir, fiz massagem, dei beijos, arrumei o cabelo, fiquei de mão dada o quanto pude. É muito difícil e duro de viver essa situação, mas eu recebia APOIO e muito AMOR em doses cavalares de muita gente… Meus tios, amigos, minha mãe… Eu realmente não seria nada sem essas pessoas.
Chegamos em 13 de abril. Os médicos enfrentam a complicada tarefa de nos dizer que nada mais pode ser feito, que temos que nos despedir! Caramba! é uma coisa muito louca de sentir… O médico nos depara com o maior dilema de nossas vidas! Despertá-lo da sedação? Ou não? Eu queria ouvir a voz dele mais um dia só, tirar as minhas dúvidas sobre o seu acervo, queria saber mais detalhes! Falamos tão pouco. Meus irmãos não queriam. O médico me disse que não seria assim como eu imaginava, e se optássemos por despertá-lo, ele poderia sofrer. Certamente isso era a última coisa que eu queria. Fui vencida pelo choque de realidade. Antes o meu sofrimento que o dele. Então me despedi sem saber se teríamos mais 2, 3 ou 5 dias. Ajeitei seus cabelos prateados e disse a ele “Amanhã eu volto, tá paizinho!”
Bilhetinho que fiz e ele guardou digitalizado. Na direita, “nosso lugar” predileto, o Velho Armazém. Ele aparecia numa das fotos antigas da fachada. Adorava mostrar.
Num momento em que de um lado temos tanta dor, de outro é TANTO AMOR!
Papai morreu na madrugada de 14/04, em plena Páscoa. Muitas homenagens nos confortaram. Minha família inteira e muitos amigos interromperam seu feriadão em família e vieram me dar um abraço. Num momento em que de um lado temos tanta dor, de outra é TANTO AMOR! Isso me sustentou e serei eternamente agradecida.
Agora estamos trabalhando para manter seu trabalho vivo, e disponibilizar seu acervo para o que ele queria: EDUCAÇÃO. Ainda estamos muito no começo de tudo e muitas decisões ainda precisam ser tomadas. Mas ele queria incentivar e valorizar os estudantes de História. Faremos o possível pra isso.
Criamos uma página no Facebook onde postamos algumas de suas crônicas, poemas, opiniões, estudos, ilustrações. Se você se interessar, pode seguir aqui.
Eu e Papai no dia do meu casamento, em 2011, na Confeitaria Colombo. Foto da Carol Pires.
Por que estou contando tudo isso?
Esse post é, simbolicamente, o meu VIRAR DE PÁGINA. Temos que seguir em frente e continuar vivendo feliz!
Eu tinha um blog antes de ser fotógrafa era esse aqui mesmo que depois foi mudando o conteúdo mais voltado para o meu trabalho, obviamente. Mas a descrição dele quando começou há mais de 10 anos tinha um trecho assim: A função desse blog é terapêutica, escrever liberta e alivia. Então a resposta é esse motivo bem simples. Assim como papai, eu acredito que escrever é um exercício e tanto pra gente manter a mente sã. Ele deixou pra nós toda a sua biografia e hoje considero isso um tesouro! Nem sabíamos que ele escrevia sua própria história, mas hoje entendo melhor porque ele escrevia. Ninguém é obrigado a ler ou a gostar, nem mesmo interagir ou comentar. Nem sei quantas pessoas vão ler! Mas é libertador. Fora isso, acho oportuno compartilhar algo pelo qual todos nós vamos viver, e mostrar que é difícil sim encarar, mas que podemos (e devemos) superar!
Então estou aqui, de peito aberto, passando o meu relato. Hoje vivo um grande momento de mudança na minha vida, e esse post é simbolicamente o meu VIRAR DE PÁGINA. Temos que seguir em frente e continuar vivendo feliz da melhor forma possível, com tudo o que a vida nos proporciona. Uma certeza: minha conexão com meu pai é eterna e imortal.
São Francisco, Niterói. Onde ele queria ficar pra sempre.
A guinada Mudança pessoal e profissional
Prometi pra mim mesma que faria o melhor segundo semestre dos últimos anos!
Agora estou BEM, viu?! Estou ainda reorganizando tudo o que era do meu pai, fazendo a curadoria do seu acervo, arrumando de pouquinho em pouquinho sua memoriabilia. Enfim estou seguindo em frente de verdade. Todos os achados que encontro nos HDs do papai tem me ajudado a lidar com o luto e de certa forma me aproxima muito dele. No começo eu sonhava com ele quase todos os dias. Depois foi ficando mais espaçado, mas ainda me sinto ficando cada vez mais próxima dele.
Com o primeiro semestre de 2017 sendo um verdadeiro caos pra mim, prometi pra mim mesma que faria o melhor segundo semestre dos últimos anos! Decidi que ia deixar pra trás tudo o que estava me deixando triste ou me incomodando. Seja na vida pessoal ou profissional. O meu planejamento (que eu fiz em novembro do ano passado) estava lindo e redondinho, mas tive que renunciar a muitos planos para poder estar MAIS com a minha família e cuidar um pouco de mim. Muitos projetos não saíram do papel, mas o que importa é que continuam firmes e engajados, prontos para o meu novo ano.
Na vida pessoal, além de tudo já dito, veio outra (literalmente) MUDANÇA. Estou mudando de casa! OH CÉUS! inclusive é bom avisar: vou ficar offline por uns dias. Estou muito feliz com essa mudança, apesar de todo o transtorno que é.
No lado profissional, é uma guinada mesmo! Mudei a marca, o local de atendimento, os planos de fotografia. A única coisa que não mudou é vontade quase obsessiva de continuar trabalhando com casamentos e famílias. Rs! Mas esse post acabou ficando maior do que eu esperava, então vou dividir em outro. 🙂
♥ Fabi